sábado, 27 de março de 2010

Mudança Radical


Há alturas em que tem de ser mesmo. E quando eu sinto que tenho de mudar, mudo e pronto. O que tem de ser tem muita força.

É preciso começar a mudar por algum lado, e se as mudanças por dentro são mais lentas e complicadas, por fora é muito mais fácil e rápido. O exterior acaba sempre por reflectir o interior.

Mas já é costume, estava só à espera que o sol se aproximasse, para não sentir falta do aconchego no pescoço, mas a verdade é que me estava a pesar, já estava farta de ter de tirar o cabelo de dentro da roupa quando me vestia.

Foi por isso que decidi ir visitar a cabeleireira. Vou lá uma ou duas vezes por ano, mas ela lembra-se de mim porque sou a menina que vem de bicicleta fazer um corte radical. Nunca apareço para cortar pontas, e quando me vou, deixo no chão um rasto de cabelos de fazer inveja a muito careca. Divirto-me sempre porque ela é uma castiça sem papas na língua, e os cabeleireiros costumam ser antros de má língua que noutras circunstâncias, se ela não fosse tão porreiraça, me irritaria. E depois acho piada ao ar chocado das outras clientes quando eu peço para cortar tudo.

Esperei pacientemente pela minha vez, não compreendia porque não me lavaram logo a cabeça quando a última cliente estava a ser atendida, mas aproveitei para fazer sudoku. A mulher já estava cansada, desde as 6 e meia a trabalhar e eu que me levantei às dez, podia muito bem esperar que ela se recompusesse enquanto desfrutava a lavagem do cabelo. Adoro que me mexam na cabeleira. O cabelo comprido pesa imenso e acaba por cansar o couro cabeludo, por isso sabe lindamente quando se contraria a gravidade e se massaja suavemente. A rapariga que me lavou a cabeça é viciada no Facebook mas tem umas boas mãos , fê-lo com calma, usou as unhas manicuradas na minha nuca e perguntou se estava bem. A temperatura morna da água, o aroma agradável do shampoo, o Rui Reininho a cantar, tudo me estava a saber bem. Fechei os olhos e desfrutei.

Desta vez, disse que queria um corte à Amèlie e foi com alguma frustração que verifiquei que ela não tinha visto o filme. Desceu uns pontos na minha consideração, mas lá lhe expliquei o que queria e ela percebeu-me.

Começou com pente zero até à nuca. Confesso que me arrepiei um pouco, ela é um bocado doida, mas eu confio, nunca me deixou ficar mal. Aquilo estava a saber-me bem, nunca tinha cortado tanto. Gosto do efeito quando corto o cabelo ao meu namorado, gosto de lhe passar a mão pelo cabelo de baixo para cima. Deixei-a esculpir à vontade, estava a ficar como eu queria, já conseguia arejar os neurónios!

Não gosto do secador. Ela sabe disso e limitou-se a retirar o excesso de água. E lá voltei eu para a

minha bike de regresso a casa, muito mais leve, a sentir a gola do casaco a roçar-me a nuca e a pensar que um dia destes ainda o corto todo assim, a pente zero. Pena ser tão cabeçuda…
Ia a subir a estrada e a pensar num e-mail que recebi há uns dias e que comentei com a cabeleireira quando ela pensou em aproximar-se do meu cabelo com a escova: “as melhores coisas da vida são feitas quando estamos despenteados!”


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